terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Bioenergias Hidrossolúveis



Artigo de Sebastião Valverde

Embora se conviva todo ano com a assombração do fantasma do apagão elétrico desde o início deste século, devido às estiagens prolongadas que comprometem o nível dos reservatórios, praticamente o Brasil tem feito pouco para diluir sua dependência hidrelétrica na matriz energética, exceto colocar em funcionamento as dezenas de termoelétricas a gás, óleo ou carvão mineral – ambientalmente impactantes.
Tudo leva a crer que o governo não aprendeu a lição e nem fez seu “para casa” em termos de executar um projeto energético para o País. Mesmo que o potencial hidrelétrico brasileiro fosse plenamente aproveitado sem ser atrapalhado pelo preciosismo ambiental, o País ficaria vulnerável às estiagens prolongadas como a que se passa e, com isso, dependeria de complementação energética por meio destas termoelétricas que tanto fragiliza a retórica imagem de um Brasil “verde” signatário de acordos ambientais global.
O Brasil precisa diversificar seu portfólio energético e desconcentrá-lo da hidroenergia. Apesar da construção das hidrelétricas de Jirau, Santo Antonio e Belo Monte, ainda é esperado um colapso na oferta dado o aumento exponencial do consumo de energia, haja vista o crescimento populacional reforçado com o aumento da renda per capita que eleva a demanda pela melhoria no padrão de consumo.
No passado, mesmo nas cidades mais quentes, pouco se via aparelho de ar condicionado. Hoje, até nos barracos das favelas têm, embora muitos de forma “gateada”. Se o bem-estar era atendido com um ventilador, o de hoje impõe a necessidade de condicionadores. Se antes a família, mais numerosa que a de hoje, via TV num único televisor, hoje, não só em cada quarto, mas em todos os cômodos tem televisão. Em que pese os eletro-domésticos estarem mais eficientes, a questão é que os KWAs a menos são gastos num novo aparelho, mantendo sempre o consumo alto.
É inegável que nada se compara ao custo/benefício de uma hidroelétrica. Porém ela tem demonstrado não ser suficiente para garantir a segurança energética brasileira que deve ser alcançada pelas alternativas “limpas” e de fontes renováveis como a biomassa, eólica e solar, em vez de apelar sempre para as fontes de combustíveis fósseis.
Para isso, estas alternativas dependem muito de uma política de estímulo e de segurança ao investidor que garanta um mínimo de sustentabilidade neste tipo de negócio, tal como é dado para os investidores nos projetos do PAC via PPP.

É inegável que nada se compara ao custo/benefício de uma hidroelétrica. Porém ela tem demonstrado não ser suficiente para garantir a segurança energética brasileira que deve ser alcançada pelas alternativas “limpas” e de fontes renováveis como a biomassa, eólica e solar, em vez de apelar sempre para as fontes de combustíveis fósseis

A estiagem de 2012/2013 tem reavivado o drama dos blackouts de 2001 como visto nos noticiários, nas agendas da Presidente com o setor elétrico e no funcionamento das termoelétricas para onde são canalizados, não só todo gás e óleo, mas todo esforço para não ter que se implementar políticas de racionamento.
No entanto, mesmo que o governo exima as famílias do racionamento, o prejuízo é inevitável e já está sendo contabilizado. As indústrias consumidoras de gás são as primeiras a serem prejudicadas, pois o governo prioriza o uso dele primeiro para as termoelétricas, além disso, o País compromete a balança comercial e o caixa da União pela sangria de dólares na importação do gás e do óleo no mercado livre num valor mais alto devido às especulações em cima da estiagem no Brasil.
Sem entrar no mérito da produção de energia limpa e barata das hidroenergias, há que se embutir nos custos dela os ônus dos riscos destes blackouts para que se equiparem, relativamente, aos custos das termoelétricas. Apesar das restrições logísticas das bioenergias, sobretudo da biomassa florestal, é sabido que entre as termoelétricas, as de biomassas são mais sustentáveis social, econômica e ambientalmente que as de gás, óleo e carvão mineral, mas nada comparável com o custo da hidroenergia.
A relação entre estas fontes energéticas não deve ser vista como de competição, mas sim de complementação. Há que se pensar em aumentar o excedente de energia, sobretudo via hidroelétricas, para atrair indústrias eletrointensivas, como as de ferroligas e silício metálico, dado o potencial brasileiro nestas. Por outro lado, para atender o aumento da demanda domiciliar deve-se contar com o excedente das fontes alternativas.
Do ponto de vista das biomassas, o Brasil já tem explorado razoavelmente bem a energia do bagaço da cana-de-açúcar e de outros resíduos orgânicos, porém tem se comportado timidamente quanto à biomassa florestal. Apesar de primitiva, a madeira apresenta-se alto potencial de viabilidade como fonte energética, principalmente via cavaco e carvão vegetal. Entretanto sua cadeia produtiva requer avanços organizacionais para se fortalecer e se consolidar como alternativa energética competitiva.

Com tanta disponibilidade de terras ociosas e degradadas poderiam estar sendo reflorestada para produção de biomassa para energia e vapor, só que não há estímulos para tal. Por ser um projeto de longo prazo, o investimento florestal requer uma garantia de mercado para compra da madeira. Tendo este lastro, os reflorestamentos expandiriam e o produtor florestal teria melhores condições para negociar a madeira, diferente da atual em que os preços do carvão vegetal e outros produtos florestais andam em baixa.
É possível que os produtores sejam chamados a ajudar o Brasil a superar esta crise energética, mas basta os primeiros pingos de chuva para o governo dar-lhe as costas. A biomassa poderia estar melhor neste mercado florestal, não fosse o oportunismo nele. Sempre o produtor é o prejudicado pelas políticas cartelizadas no que tange à energia. É o caso do álcool anidro, devido a centralização da distribuição dele pela Petrobras tirando da iniciativa privada a possibilidade de ganho sobre investimentos energéticos. Precisa profissionalizar e fortalecer a cadeia da bioenergia como um todo. Não há sustentabilidade na cadeia enquanto um agente dela for prejudicado.
O segmento florestal energético também precisa se profissionalizar visando colocar produtos de melhor qualidade no mercado. É o caso do carvão vegetal e do cavaco. Há que persuadir os consumidores de energia sobre a qualidade da biomassa florestal. Pode-se conseguir uma redução nos custos com a aquisição de insumos energéticos mesmo pagando mais caro por ele, desde que de melhor qualidade, granulometria, uniformidade, menor umidade e maior rendimento energético. Infelizmente, o caminho a ser percorrido até alcançar este status é longo. Porém, algo tem que ser feito, pois basta de amadorismo, especulação e oportunismo no mercado florestal brasileiro.
Desculpas ao leitor que esperava neste texto alguma nova fonte energética hidrossolúvel como parece sugerir o título, mas a intenção desta matéria é demonstrar que as alternativas às hidroelétricas, tão lembradas nesta época de crise, não resistem às primeiras nuvens negras que se formam no céu. Basta o nível dos reservatórios se regularizarem para que o preço da energia caia drasticamente e ponha em cheque as bioenergias que, nestas circunstancias, se solubilizam a qualquer garoa.

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